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Quando me lembrei que ainda tinha um amuleto

  • Foto do escritor: Salivrando - Nay Coelho
    Salivrando - Nay Coelho
  • 10 de mar. de 2023
  • 5 min de leitura

Atualizado: 20 de jun. de 2023

Decidi arrumar o meu guarda-roupa. Tarefa essa, que faço a cada, sei lá, 6 meses? Um ano? Quando nem eu consigo encontrar ordem naquele caos todo? Pode ser, mas o que quero contar é sobre o dia que encontrei algo que havia esquecido que ainda tinha guardado, e na real, nem era para estar mais ali.

O dito cujo aí


Vou contar: Certa vez pensei ter conhecido o meu "amuleto da sorte", ou como eu chamei por muito tempo: o amor da minha vida. (Não tive coragem de repetir isso em voz alta durante muito tempo, na verdade nem sei se ainda tenho).

Na época era mesmo "da minha vida", já que tudo para mim nessa fase, girava em torno apenas de querer ter uma relação. E ouso dizer que todo mundo um dia passa por isso, seja por pressão interna ou social.

Eu tinha uma rotina baseada em torno de uma história, nem um pouco convencional, confesso, mas ainda assim era da minha realidade.

Aos meus olhos - naquele tempo - tudo que aquela relação tinha era normal: A ansiedade, as borboletas no estômago, a preocupação excessiva, a adrenalina. e principalmente, a obsessão. Isso fazia muito sentido para mim e era vital aos meus sentidos.

Na época o termo "tóxico" ainda não era usado como uma palavra ligada a relacionamentos (meados de 2014/15). Senão com certeza ela entraria na normalidade do que eu achava que uma relação era.

Sheldon. The Big Bang Theory. Imagem do Pinterest.


Para completar, eu ainda trazia comigo muitas crenças criadas por relacionamentos de filmes dos anos 2000, ou do amor romântico à moda antiga que consistia em: troca de cartas, presentes significativos, demonstrações de afeto em público, doses homeopáticas de fossa, flerte pelo buddy poke no orkut e o que mais viesse no pacote.

Fora a máxima sufocante enraizada desde cedo através da Bíblia de que "O amor tudo suporta". Levei essa ao pé da letra até demais. (Por ter crescido em jma família super religiosa) Valeu ai, Coríntios!

E vale lembrar também que era o tempo em que a modernidade líquida estava começando a contagiar a todos com o jogo do "quem demonstrar mais, perde". Tive que sufocar sentimentos pra caramba para ser uma boa jogadora nessa brincadeira. Eu me vejo como uma pessoa intensa que sente demais até as últimas consequências, e aceitei isso (depois de muita terapia). Então eu, uma simples camponesa emo, ficava ali esperando uma migalha de afeto para romantizar, tal qual as moças de filmes antigos ficavam arrancando pétalas das flores, vibes "bem me quer, mal me quer".

Então eis que chegou o grande dia, galera.


Imagem do Pinterest.

Eu me lembro que fui para a aula, na época da faculdade, e o "meu amuleto" me disse que queria me presentear com algo (spoiler de metalinguagem: era o amuleto). Era um objeto com um valor sentimental enorme. (Para mim foi, pelo menos)

Quando ele me entregou falou algumas coisas que não consigo me lembrar (mas me derreteram, isso eu sei) e também uma instrução que eu recordo porque achei muito cool naquela voz de veludo:

"Nay, isso é um amuleto para te dar sorte. Eu ganhei de um cara em um bar, que quando teve sorte passou pra mim. E como tive sorte agora, com você, estou te passando ele. Então quando você tiver [sorte] você tem que passar pra alguém".

Agora imaginem como a Srta. "Estou esperando uma demonstração de afeto há anos" aqui, ficou quando recebeu um amuleto de presente do cara que eu achava ser o "meu amuleto", ainda por cima com toda aquela história significativa por trás. Quase uma metalinguagem do amor na minha cabeça viciada em criar cenários. Foi uma noite memorável para mim, que eu repassei por horas e horas.

E claro que pra fazer uma média e pagar de desapegada, prometi que passaria para frente.

Só que esse amuleto não me deu a sorte que eu queria (ficar com o boy). Não que tenha me dado azar, mas quando tudo desabou, eu passei a pensar que já que não demos certo, o amuleto não tinha funcionado.

Mônica Geller. Friends. Imagem do Pinterest.


Hoje, revisitando essas cenas em minhas memórias, entendo que de fato eu não acreditava realmente que aquele objeto em si me daria sorte. Na verdade o "presente" nem era meu ou para mim, já que teria que repassar e não quebrar a "corrente" maluca que aquilo fazia parte.

Eu não me importava com a caveira e sim com quem me deu ela de presente e o significado que CRIEI para ela. Ele sim era o meu amuleto e estava simbolizando isso. Claro que na minha perspectiva da história.

Qualquer coisa que viesse dele para mim, seria automaticamente transformado em um símbolo do sentimento, fazendo parte do pacote de projeções irreais que criei por ele e pela relação que tínhamos.

Voltando para o guarda-roupa, enquanto eu o arrumava, semanas atrás, encontrei depois de anos essa caveira em uma caixinha (o que me levou a escrever esse texto).

Lembrei que me recusei "passar ela para frente" e acabei quebrando a promessa. Mesmo tendo sorte em várias outras coisas depois disso. Afinal, eu já custei a ganhar algo dele e ainda teria que me desfazer daquilo? Nem pensar. Era absurdo pra mim.

Eu olhei a caveira em minha mão e até pensei que talvez fosse algo que ele encontrou jogado em um canto da casa e me presenteou com esse pretexto de "amuleto da sorte" para me manter ligada a ele e criar um vínculo.

Ou que na melhor das hipóteses, tudo fosse mesmo verídico. Dou esse benefício da dúvida, porque eu nunca vou saber de fato a verdade sobre isso (e agora no auge dos meus 29 anos, já aceitei).

Mas o que quero dizer com essa história toda é que eu aprendi lições demais com esse relacionamento, que serviram para o meu amadurecimento e me fizeram ver o quanto coisas que acho que vão ser eternas não são.

Uma lição importante: As coisas tem o significado que damos a elas, e conforme o tempo foi passando o que o amuleto representava para mim mudou, assim como eu e minhas perspectivas a respeito de tudo o que essa história foi. O jeito que vejo as relações hoje em dia se modificou também.

Eu não cumpri a promessa de passar o amuleto para frente. Mas não sinto culpa porque também ouvi inúmeras delas naquele tempo e nenhuma delas se cumpriu.

Eu ainda tenho ele guardado e toda vez que o vejo, lembro que não sou mais aquela mulher (e espero que nem ele seja mais aquele cara). Eu era bem mais intensa de um modo obsessivo que não era saudável (créditos by comportamentos malucos internalizadas em minha mente por faltas da infância)

Não quero dizer que tudo o que aconteceu foi ruim. 50% foram de partes boas, apesar de ter hora em que os outros 50% pesam bem mais do outro lado da balança, dependendo da lembrança que eu tenho desses dias.

Confesso que foi difícil eu me perdoar por ter criado uma fic digna de um romance "Young Adult", (não inventei nada sozinha também, vale lembrar) mas agora entendo o quanto eu senti como ninguém, joguei o "jogo" com as regras que eu tinha e que achei serem as certas naquela época.

E a propósito, peguei raiva de joguinhos de interesse. (Embora me pegue jogando de um jeito inconsciente de vez em quando)

A existência desse amuleto também me lembra que vão existir outros objetos, vindo de outras mãos e com outros significados, se assim eu desejar. Agora, porém, sigo em paz com tudo isso que vivi.

Nós lidamos com o que tivemos da forma que achamos que era a certa, afinal quando tem emoção e sentimento na jogada, as coisas são tudo, menos racionais.

Monica Geller. Friends. Imagem do Pinterest


Por fim, dobrei todas as roupas e guardei a caveira dentro da caixa. Sei que um dia vou me desfazer desse amuleto. Quem sabe talvez na próxima vez em que eu for arrumar meu guarda -roupa?


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SALIVRANDO

 criado por    Nayara Coelho

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